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A ciência da dor

Ver Thiago Marreta lutar com uma fratura e várias lesões nos fez ir a fundo na questão: como funciona o processo da dor?

Quando fazia a luta mais importante de sua carreira, no UFC 239, no dia 6 de julho último, Thiago Marreta machucou o joelho logo no fim do primeiro round. Por mais 20 minutos, Marreta continuou se movimentando e dando chutes. O diagnóstico, mais tarde, confirmou que ele terminou a luta com ligamentos rompidos, assim como um menisco lesionado e fratura na tíbia.

Ainda sob o impacto de tamanha força de vontade e demonstração de garra, resolvemos estudar a fundo sobre a ciência da dor. O que a provoca? Como o nosso organismo reage a ela? E mais: que tipo de força é necessária para quebrar um osso?

Pesquisamos muito para chegar a algumas conclusões, que estão abaixo – e que achamos que você poderia achar interessantes.

Dor não depende necessariamente de lesão

Em 1995, o periódico científico British Medical Journal publicou uma história impressionante. Um operário de 29 anos caiu acidentalmente em cima de um prego de 15 centímetros, que atravessou sua bota super-resistente até a ponta sair pela parte superior do calçado.

A dor que o sujeito sentiu era tanta, mas tanta, que até os sacolejos mais leves que a ambulância dava ao levá-lo para o hospital eram quase insuportáveis. Quando o operário chegou no hospital, berrando de dor, os médicos tiraram sua bota e ficaram surpresos: o prego não tinha nem encostado em seu pé. Ele havia passado por entre os dedos e não fez um arranhão sequer.

Até muito recentemente, os médicos achavam que a dor era uma resposta do cérebro a uma lesão. Por essa lógica, quanto mais severa fosse ela, maior era a dor que provocava. Mas, conforme foram entendendo mais sobre sua ciência, descobriram que ela nem sempre está totalmente relacionada a um machucado.

Há dois tipos de dor

Existem duas categorias de dor: 1) o tipo sensorial comum, que é a dor do dano em si, e 2) o tipo mais esquisito, que vem do dano ao sistema que relata e interpreta o dano: o sistema nervoso. É como se a primeira fosse um problema no motor de um carro e a segunda, o problema com a luz no painel do carro que aponta que há problemas no motor.

O primeiro caso leva o nome de dor nociceptiva. Nocicepção é um processo biológico que é parte da resposta de proteção do sistema nervoso aos estímulos nocivos que recebemos. Sensores em terminações nervosas especializadas detectam ameaças mecânicas, termais e químicas.

Se um determinado número de sensores for ativado, sinais elétricos disparam o nervo para a espinha e para o cérebro. O cérebro pesa a importância desses sinais e produz a dor se achar que o organismo precisa de proteção.

A dor nociceptiva surge de vários tipos de problemas nos tecidos, relatados ao cérebro pelo sistema nervoso. É o tipo de dor a qual estamos mais familiarizados: de picadas de abelhas a queimaduras até náuseas e artrite. É uma dor que surge de danos reais ao tecido não-neural.

O segundo caso é chamado de dor neuropática e surge de danos no próprio sistema nervoso, central ou periférico; pode ser uma doença, lesão ou pinçamento. As neuropatias mais simples são lesões mecânicas, como atingir o osso – exatamente o que aconteceu com Thiago Marreta na luta contra Jon Jones.

Mas essa última categoria é mais ampla e atinge qualquer coisa que danifique neurônios, da esclerose múltipla à quimioterapia. No entanto, é mais provável que leve à dor crônica: os nervos não curam bem.

Tudo está no cérebro

A dor é 100% do tempo produzida pelo cérebro. Qualquer uma: pontada, difusa, aguda, crônica, forte ou fraca; não importa há quanto tempo ela exista.

Geralmente, ela é um aviso do cérebro para nos ajudar a evitar mais lesões ou danos. Mas existe um conjunto inteiro de fatores além da nocicepção que podem influenciar na experiência da dor – e torná-la menos útil.

Há fatores biológicos que ampliam os sinais nociceptivos para o cérebro. Se as fibras do nervo são ativadas repetidamente, o cérebro pode acreditar que elas precisam ser mais sensíveis para proteger adequadamente o corpo de ameaças. Mais sensores, assim, são acionados às fibras nervosas – até elas ficarem tão sensíveis que o mais leve toque dispara sinais elétricos intensos.

Em outros casos, os nervos se adaptam a enviar sinais de forma mais eficiente, amplificando a mensagem. Essas formas de amplificação são mais comuns em pessoas que tem dores crônicas, que são aquelas que duram mais de três meses.

Quando o sistema nervoso é cutucado a ponto de ficar sempre em um estado de alerta, a dor pode durar mais que a lesão física. Isso cria um círculo vicioso em que, quanto mais a dor persiste, mais difícil fica reverter o quadro. Quer dizer: às vezes a lesão nem existe mais, mas a dor está lá.

Fatores psicológicos têm seu papel na dor, pela influência que provocam na nocicepção e também influenciando diretamente no cérebro. O estado emocional da pessoa, suas memórias, as crenças sobre dor e expectativas a respeito de tratamentos também têm relação com quanta dor a pessoa sente.

Estudos mostram, por exemplo, que crianças que achavam que não tinham controle sobre sua dor a sentiam de forma mais intensa dos que a acreditavam que tinham.

Como quebrar um osso?

Adultos têm 206 ossos em seu corpo, de vários formatos e tamanhos – alguns, portanto, podem ser quebrados mais facilmente que outros. O maior osso, nosso fêmur, na coxa, é bem mais difícil de ser fraturado do que, por exemplo, a clavícula – uma das fraturas mais comuns.

Parte disso se deve aos músculos que estão ao redor do osso, que são capazes de protegê-lo e absorver impactos. Nosso fêmur está protegido por todos os músculos da coxa, diferentemente da costela, por exemplo. Por isso, é capaz de aguentar mais pancada.

Segundo o médico Cindy Bir, da Universidade da Califórnia, uma força de 3.300 newtons – ou 336,5 quilogramas/força, sendo que um 1 quilograma/força é a unidade de força que equivale a 1 quilo – tem uma em quatro chances e quebrar uma costela de uma pessoa, enquanto para um fêmur a força tipicamente necessária é de 4.000 newtons (ou 408 quilogramas/força).

Como a força é aplicada também faz diferença. Um golpe perpendicular ao osso faz mais danos do que a mesma força aplicada de forma paralela a ele, porque esta última segue no mesmo sentido do osso.