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Criada “entre o erudito e o popular”, Virna Jandiroba é uma atleta sui generis

Quem é a peso-palha que cita poetas e cinema cult – e que diz que voltou para o caminho da vitória, o qual pretende continuar trilhando no UFC

Um simples passeio pelo Instagram de Virna Jandiroba já denuncia: ela tem algo diferente. Em vez de fotos com frases comuns de autoajuda, Virna usa citações de filmes cult (Na Natureza Selvagem), de mestres da literatura (José Saramago) e de poetas (Paulo Leminski). “Eu diria que fui criada entre o erudito e o popular”, brinca a lutadora natural de Serrinha, na Bahia.

O pai era professor. A mãe, dona de um comércio (“uma vendinha, como a gente diz no Nordeste”). “Minha mãe sempre esteve muito diante das pessoas, do povo mesmo, sobretudo pelo bairro em que moramos, que é um bairro popular”, ela conta. “Minha infância foi muito simples, Serrinha é uma cidade muito pequena. E eu era uma criança muito introspectiva, não costuma falar muito. Algumas professoras até acharam que eu era muda”, ela ri.

Aos 12 anos, começou a fazer kung fu. Queria mesmo caratê, porque dois primos lutavam e ela achava incrível, mas se satisfez. Fez também judô, só que acabou desistindo até porque não se encontrava nos treinos, que eram predominantemente frequentados por meninos. Entrou para o jiu-jítsu mais tarde, como forma de controlar crises de ansiedade e de pânico que enfrentou. Adorou. Tanto que começou a competir.

“Mas no Brasil, é muito difícil, não tem patrocínio”, ela diz. “Competi bastante na Bahia, no Norte e no Nordeste, e geralmente ganhava os campeonatos, mas cheguei a lutar em categoria masculina porque ia na competição e não tinha menina”, diz. Ela até viajava para conseguir participar de campeonatos, “mas nem sempre era fácil arrecadar patrocínio para ir para essas competições”. Nos torneios, Virna lutou com pessoas como Claudia Gadelha e Amanda Nunes.

“Era fantástico, mas estava ficando desestimulada porque não conseguia viver do jiu-jítsu, não tinha patrocínio para estar nos eventos maiores. Então pensei: vou fazer uma luta de MMA.” Foi quando apareceu um empresário em Serrinha com a ideia de organizar um campeonato de artes marciais mistas por lá.  

“Eu já estava flertando com isso e meu professor de jiu-jítsu falou: ‘Vamos nessa, Jandi, vamos fazer essa luta’. Fui e me apaixonei pela sensação. É uma adrenalina diferente de tudo o que eu tinha vivido. Amo jiu-jítsu, mas estou falando de adrenalina, aquela sensação de não saber o que vai acontecer. É incrível.”

Já picada pelo bichinho do MMA, Virna até competiu na arte suave outras vezes, mas seu caminho já estava traçado. “Segui por aí mesmo com minhas inseguranças. Tive meus professores ao meu lado, que cuidaram da minha carreira direitinho, tiveram paciência comigo. E aqui estou”, comemora a atleta.

Antes de entrar para o UFC, Virna foi campeã do Invicta FC. “O Invicta é fantástico. As meninas são muito respeitadas na forma de se expressar, na personalidade.” Seu objetivo, no entanto, “era o UFC, sempre foi”. A estreia em abril, porém, contra Carla Esparza, não foi exatamente como Virna esperava.

A baiana estava invicta, com 14 vitórias em sua carreira. “É lógico que ninguém fica feliz quando perde. E muita gente costumava me perguntar: ‘E quando você perder?’ Eu sempre tive convicção de que isso ia acontecer um dia. Mas mantive meu pé no chão quanto à derrota”, afirma. Virna não fica procurando justificativas, mas imagina que talvez possa ter se sentido pressionada pelas expectativas alheias. “Porque tu ganha uma, duas, três, quatro, sete vezes e as pessoas pensam que tu não tem o direito de perder. É natural e humano perder. Mas é inegável: uma derrota mexe com a gente, sim. Mexe tanto que nem assisti ainda à minha luta com a Carla”, ri.

Ela conta, no entanto, que aprendeu uma lição. “Lógico, peguei uma ex-campeã e cometi alguns pequenos erros dentro da luta, erros técnicos, dos quais tenho autocrítica. Mas vi que tenho que me profissionalizar mais. Sempre tentei ser o mais profissional possível, mas nem sempre a gente tem acesso. Aprendi isso: é preciso ser cada vez mais profissional.”

Virna sabe que seu intelecto é um ponto a seu favor. “Acho que sou uma atleta inteligente e isso é um diferencial”, ela tem consciência. “Tenho tentado entrar mais num estado de gratidão, de pensar que bom que estou num lugar em que eu queria estar, que tenho pessoas boas que me ajudam e me apoiam incondicionalmente.”

Sua vitória contra  Mallory Martin no UFC Washington, no dia 7 de dezembro, a deixou cheia de otimismo. “Essa vitória é muito significativa porque me traz de volta pro caminho da vitória”, diz. “É mais um passo nesse sentido de readquirir segurança, confiança. Nunca escondi minha missão de estar entre as melhores do UFC e, lógico, ser a campeã da categoria. Sei que ainda tenho um bocado de coisa para evoluir, por isso tenho pensado em dar um passo de cada vez, esperar ver o que a organização tem para mim. Mas sempre com a missão de estar entre as melhores e me destacar nas categorias.”