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Eventos

Demian x Askren e os 4 clássicos do BJJ x Wrestling que mudaram a história

Na manhã deste sábado os fãs do MMA vão acompanhar no UFC Singapura mais um capítulo deste que é o clássico entre estilos que mais marcou a história do esporte: wrestling x jiu-jítsu. Mas apesar de serem dois dos mais condecorados e técnicos representantes de seus estilos, Demian x Askren tem tudo para ser um confronto fora dos padrões (ground and pound x finalizações) que marcaram a grande maioria destes clássicos.

(Fotos por Marcelo Alonso e Susumu Nagao)

Apesar de ter o jiu-jítsu como base, o brasileiro pode ser considerado um lutador de MMA mais completo. Muito superior na trocação e, curiosamente, com o wrestling como seu diferencial, Maia adaptou como ninguém a Arte Suave à luta Olímpica e assim tem conseguido chegar às costas da maioria de seus oponentes.

Já Askren, apesar de ser “praticamente cego” na luta em pé, tem como grande diferencial, além do wrestling, sua técnica no solo.

Brasil

Posto isto, apesar de toda imprevisibilidade tática inerente ao esporte, podemos chegar à conclusão de que ambos entrarão no Octógono sábado com um planejamento diferente do que estão acostumados.

Pela primeira vez em sua carreira, Demian Maia terá clara vantagem em manter a luta em pé. Já Askren não terá o jogo de solo como plano A, devendo evitar as mãos do brasileiro, buscando pontuar com quedas, mas sem se arriscar nas transições.

Seis anos mais novo que Demian, o americano deverá usar seu atleticismo para tentar levar a luta ate o final dos cinco rounds, vencendo por pontos. Já Demian buscará pontuar no boxe e, caso seja derrubado, tentará evitar que o americano amarre a luta.

Brasil

Trash-talker nato, Askren já disse que vai testar o chão do brasileiro, mas após o frustrante nocaute para Masvidal, não acredito que se arrisque. Afinal de contas, “Funky” já treinou submission com Marcelo Garcia, parceiro de treinos de Demian, e sabe bem o que acontece com quem solta o jogo com um faixa preta campeão do ADCC.

Da mesma maneira que Demian não conseguiu imprimir seu jogo de quedas com os wrestlers americanos de nível A (Usman, Woodley e Covington), que aliás, nunca defenderam os EUA numa Olimpíada como Askren fez na China em 2006 (ao lado de Cormier e Cejudo). Sem dúvida o plano tático escolhido por cada um será o fiel da balança nesta luta.

Minha aposta é numa vitória por pontos do brasileiro, mas não ficarei surpreso se a malandragem de competição e o maior atleticismo de Askren o levarem a ter o braço erguido no final. Minha única certeza é que este confronto entrará imediatamente na galeria dos clássicos históricos entre wrestling e jiu-jítsu. E para quem gosta de história, não custa lembrar que foi a partir desta rivalidade que o Vale Tudo deu os primeiros passos em direção ao MMA. Tudo começou a partir de 4 grandes clássicos entre jiu-jítsu e wrestling nos anos 90, os quais relembro a seguir:

Royce Gracie x Dan Severn (1994 – UFC 4)

Os primeiros duelos entre jiu-jítsu e wrestling foram marcados pela enorme diferença de peso. Considerado o primeiro grande confronto entre as duas modalidades, Royce Gracie (81kg) x Dan Severn (113kg) ocorreu na final do 2º torneio do UFC. Campeão das duas primeiras edições do evento, e com um cartel invicto (10 vitórias), o brasileiro havia finalizado Ron Van Clief e Keith Hackney em um lado da chave; enquanto Severn havia estrangulado rapidamente Anthony Macias e Marcus Bosset, do outro.

Como todos esperavam, a grande final foi uma guerra. Durante 15 minutos Severn usou sua vantagem de 32kg para tentar impor seu ground and pound. Mas o filho de Hélio Gracie conseguiu neutralizá-lo com sua guarda aplicando, pela primeira vez na história do UFC, um triângulo. Técnica que surpreendeu não só a Severn, mas também aos comentaristas americanos que pareciam não entender como o brasileiro conseguira arrancar aqueles 3 tapinhas do gigante americano. Com a 11º vitória na carreira, Royce faturou seu terceiro torneio e consagrou a teoria Gracie de que “sem tempo e sem ponto, o jiu-jítsu era a arte marcial ‘pura’ mais eficaz numa luta real”.

Murilo Bustamante x Tom Erikson (1996 – MARS)

Outro confronto histórico entre wrestling e jiu-jítsu marcado por uma diferença brutal de peso ocorreu na final do MARS no Alabama, em novembro de 1996. Aqui vale contextualizar o momento onde já existia um clima de rivalidade muito grande entre as duas modalidades. Após a saída de Royce do UFC na 6º edição, o wrestler Mark Coleman venceria três edições seguidas (UFCs 10,11 e 12) e desafiaria a família Gracie, ou qualquer representante do jiu-jítsu, a vencê-lo, chegando a dizer que enfileiraria Royce, Renzo e Rickson na mesma noite.

As declarações de Coleman apimentaram a rivalidade entre jiu-jítsu e wrestling, transformando este confronto no clássico mais aguardado pelos fãs em qualquer evento do mundo.

Parceiro de treinos de Coleman e considerado um wrestler muito mais condecorado, tendo decidido entrar no MMA após perder a vaga olímpica, o gigante Tom Erikson (127kg) se testou pela primeira vez no Vale Tudo fazendo três lutas numa noite no torneio MARS, realizado em novembro de 1996 no Alabama.

Do outro lado da chave estava o representante da Carlson Gracie, o campeão brasileiro de jiu-jítsu Murilo Bustamante (86 kg). Cobrindo o evento, descobri nos bastidores que Erikson brincava nos treinos com Coleman. Para piorar, já estava aprendendo a neutralizar a guarda do jiu-jítsu com seu mestre Rico Chiaparelli, criador do RAW TEAM (Real American Wrestling), que teria se matriculado na academia de Renzo Gracie (seria expulso logo após este evento).

E como todos esperavam, ambos venceram suas duas lutas iniciais e se enfrentaram na final. Uma luta que inicialmente seria sem tempo, mas por conta da transmissão ao vivo para a TV foi alterada para 40 minutos. Murilo começou bem e chegou a fazer um perigoso ataque ao pé e ao braço do wrestler nos minutos iniciais, mas no decorrer do combate, os 41kg de vantagem do americano começaram a fazer a diferença. O brasileiro resistiu até o final neutralizando os ataques do gigante com sua guarda, e a luta terminou empatada. Uma atuação heroica de Murilo que mereceu a capa das principais revistas de artes marciais do mundo, mas que iniciou um debate sobre a necessidade de categorias de peso no Vale Tudo. 

Fabio Gurgel x Mark Kerr (1997 – WVC 2)

Dois meses depois da luta entre Murilo e Erikson, seria a vez de Fábio Gurgel (87kg), outra lenda do jiu-jítsu, se testar contra um grandalhão do wrestling, Mark Kerr (110kg). Desta vez o confronto ocorreria no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, na final do torneio WVC 2, organizado por Frederico Lapenda e Sérgio Batarelli em janeiro de 1997.

Antes da grande final, Gurgel venceu Patrick Smith e Michael Pacholik, enquanto Mark Kerr atropelava o gigante Paul Varelans (145kg) e arrancava o dente de Mestre Hulk (102kg) da Capoeira, calando a torcida brasileira com seu ground and pound assustador. Na luta decisiva Fabio começou bem usando sua excelente guarda para resistir a pressão do americano, mas uma cabeçada do wrestler (válida nas regras do WVC) fechou o olho do brasileiro e começou a mudar os rumos da luta. A partir dos 10 minutos, a diferença de quase 30kg começou a se impor. Fábio ainda resistiu até o final dos 30 minutos regulamentares, mas Kerr foi apontado vencedor do combate em decisão unânime dos juízes.

A partir desta luta ficava claro: não faziam mais sentido confrontos com tamanha diferença de peso, nem mesmo torneio com três lutas numa noite. Começava a nascer a ideia das divisões de peso, o passo mais importante para transformação do Vale Tudo em MMA.

No mês seguinte, em fevereiro de 1997, o UFC 12 já seria dividido em dois torneios de duas lutas. Wallid representou o Brasil no peso leve (até 199lbs / 90,2kg) e perdeu na decisão para Takahashi na primeira luta. Vitor Belfort fez sua estreia vencendo Tra Telligman e Scott Ferrozo, faturando o torneio pesado (acima de 200 lbs, 90,7kg).

Carlão Barreto x Kevin Randleman (1997 – UVF 6)

Dois meses após a derrota de Fábio Gurgel para Mark Kerr, Carlão Barreto (1,94m / 106kg) teria a oportunidade de levantar a autoestima do jiu-jítsu enfrentando o wrestler Kevin Randleman (1,78m / 109kg), no Rio de Janeiro, na final do torneio Universal Vale Tudo Fighting 6.

Em outubro de 1996, Randleman tinha vencido facilmente suas três lutas no UVF 4, no Rio de Janeiro, faturando o cinturão do evento, e não perdendo a oportunidade de alfinetar os rivais da Arte Suave (não havia representantes do jiu-jítsu neste torneio). “O Rio não é a terra do jiu-jítsu? Espero que tenham coragem de mandar algum representante para tentar roubar meu cinturão na próxima edição”, alfinetou o wrestler.

Um esculacho desse em pleno Rio de Janeiro obviamente não seria bem digerido. Carlson Gracie tratou de responder colocando seu novo talento peso-pesado para enfrentar o discípulo de Coleman no UVF 6, que seria sua primeira defesa de título. A torcida carioca lotou a casa de shows Metropolitan, sonhando assistir ao primeiro clássico entre wrestling e jiu-jítsu em igualdade de condições.

Carlão Barreto fez sua parte vencendo os wrestlers americanos Geza Kalman e Dan Bobish, enquanto Randleman fazia duas guerras contra Mario Sucata e Ebenezer Braga. A rivalidade entre wrestling e jiu-jítsu era tanta, que na decisão do torneio, as torcidas de jiu-jítsu, muay thai e luta livre se uniram pela primeira vez para empurrar Carlão Barreto, que após 22 minutos de combate conseguiu aplicar um triângulo e apagar o americano, obrigando o juiz Valdir Pimenta a decretar o fim da luta. Assim que recobrou a consciência, Randleman, com a ajuda de seu treinador Coleman, ainda tentou questionar a decisão, mas já era tarde demais. A torcida já havia invadido o ringue e a festa estava instaurada.

Acostumado a zoar os oponentes após as derrotas, Carlson Gracie não perdeu a oportunidade de responder ao desafio de Randleman ao jiu-jítsu brasileiro e alfinetar o rival Mark Coleman, na época campeão invicto do UFC. Mesmo com seu pouquíssimo inglês, o mestre não perdeu a piada e, após chamar Coleman pelo ombro, apontou para seu aluno e, fazendo sinal de sono com as mãos, soltou a pérola que marcaria aquela histórica noite: “Coleman, Coleman! Silipi, silipi”.

Após a vitória de Carlão Barreto sobre Randleman, os confrontos entre jiu-jítsu e wrestling continuaram a marcar a história, mas a partir deste momento em igualdade de condições, nas respectivas categorias de peso, como deve ser em qualquer esporte.

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Desde então, os fãs puderam ver dezenas de clássicos históricos como Dan Henderson x Allan Góes (UFC 17, 1998); Dan Henderson x Renzo Gracie (Pride 13, 2001)  Rodrigo Minotauro x Mark Coleman (Pride 16, 2001), Murilo Bustamante x Matt Lindland (UFC 37, 2002), Rogério Minotouro x Dan Henderson (Pride 2005); Rodrigo Minotauro x Randy Couture (UFC 102, 2009); Paulo Filho x Chael Sonnen (UFC 95, 2009); Matt Hughes x Royce Gracie (UFC112, 2010), Fabrício Werdum x Cain Velásquez (UFC 188, 2015) e, no próximo sábado poderão assistir Demian Maia x Ben Askren. Sem dúvida alguma, mais um capítulo histórico de uma das maiores rivalidades do MMA.