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Lutador desde pequenininho

Criança pode – e deve – praticar artes marciais. Veja aqui os benefícios das lutas – e também os cuidados necessários nos treinos


Julia Baccan, hoje com 13 anos, sempre foi uma garota agitada. Tanto que, com a (pouca) idade que tem, já praticou atletismo, hipismo, futebol, natação e ginástica olímpica. Mas foi em uma arte marcial, o judô, que ela se encontrou. Julia começou bem pequena: os pais a inscreveram em um treino quando tinha apenas 2 anos. “Minha mãe queria que eu gastasse minhas energias. Acabei gostando”, conta a garota.

João Pedro Abreu, 12 anos, começou a frequentar os treinos de muay thai em uma academia do bairro de Perdizes, em São Paulo, aos 8. “Inscrevemos ele nas aulas principalmente porque ele sofria muito com os amigos maiores no condomínio onde morávamos. A princípio, ele foi fazer artes marciais para melhorar sua autoestima”, conta o pai, Evandro.

Julia e João Pedro conseguiram nos treinos muito mais do que os pais procuravam para eles. “O judô proporcionou a Julia um senso de disciplina em todos os aspectos, potencializado no convívio escolar e com pessoas fora do ambiente familiar”, conta o pai dela, Mauro Baccan. “Incrível foi ver como, em pouco tempo, João Pedro desenvolveu uma personalidade mais forte e segura de si. E isso sem se utilizar de violência para se impor perante aos colegas”, afirma Evandro Abreu, pai do J.P.

A ciência corrobora: um estudo da Universidade de Tel-Aviv, em Israel, mostrou recentemente que crianças que começaram a praticar artes marciais apresentam maior autocontrole e disciplina, além de diminuir a agressividade. De acordo com os pesquisadores, o esporte funcionaria com os pequenos melhor ainda do que terapia convencional. “Elas proporcionam desenvolvimento das habilidades sociais – a criança tem a chance de lidar diretamente com outras e aprende a lidar com a consequência de seus comportamentos, de dar opiniões e aceitar as do grupo”, diz o psicólogo esportivo e pesquisador Alberto Santos, especialista em artes marciais e esportes de combate. “É interessante notar ainda que as regras do tatame passam a ser respeitadas pelas crianças, como o respeito aos colegas e o fato de não se aproveitar dele por ter mais tempo de treino ou mais força. Esses comportamentos, se trabalhados em conjunto com os pais, tendem a ser generalizados para outros contextos da vida.”

Os benefícios não são apenas mentais. No plano físico os ganhos também são bastante grandes. “A criança adquire flexibilidade, velocidade de membros, de deslocamento e de reação, agilidade. Fora a melhoria das valências físicas, há a coordenação e percepção corporal e a melhoria da capacidade respiratória, entre outras coisas”, diz o professor doutor Jorge Felipe Columá, que dá aulas na Unisuam, é coordenador pedagógico do centro de artes marciais da Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro) e da rede Team Nogueira.

Aspecto lúdico
De acordo com os especialistas, não existe uma idade ideal para começar a praticar uma arte marcial. Tudo depende da metodologia empregada no treino. “Antigamente pensava-se que a criança era um miniadulto e não havia diferença nas aulas. Queriam que, com 8 anos, ela fosse um expoente técnico. Não é assim que funciona. Ela tem que se divertir, a aula deve ser lúdica. Não tem que fazer flexão nem polichinelo, tem que, sim, imitar jacaré e águia, percebe a diferença? Se a criança começa a ter uma performance técnica muito cedo, ela vai enjoar da atividade”, afirma Jorge Columá. De uma forma geral, segundo ele, uma criança com 4 anos já é capaz de começar a prática – desde, claro, que a ludicidade seja a alma do treino. 

Por isso é tão importante os pais pesquisarem bem onde vão colocar seus filhos e, de preferência, assistirem a alguns treinos. “A qualificação do professor e o nome da academia são muito importantes no processo de escolha”, diz Columá. “Procure saber se há referências do local, informe-se sobre os professores e a proposta de trabalho. O grande objetivo é iniciar uma parceria educacional entre pais e professores”, afirma o educador físico Diogo Souza, especialista em preparação física de alto rendimento e criador do projeto Cardio MMA Kids, no Rio de Janeiro. 

Segundo Diogo, quem pode definir qual a melhor arte marcial para a criança é ela própria. “Sugiro que os pais experimentem levar os filhos para diversas modalidades de arte marcial e não seguir apenas sua preferência. Muitas vezes o pai força a criança a seguir o mesmo caminho que ele e isso pode ter um resultado negativo nessa fase de desenvolvimento. Até os 12 anos, tudo é ainda incerto para a criança e toda atividade e aprendizado, mesmo que com disciplina, deve ser muito prazeroso.”

MMA pode?
Geralmente, o judô é a arte marcial de introdução escolhida pelos pais. “Isso ocorre porque ele tem uma roupagem educacional em sua gênese”, diz Jorge Columá. Mas, de acordo com ele e com Diogo Douza, uma criança pode, inclusive, aprender MMA – que é a mistura das artes marciais. “Bem orientada e respeitando o controle lúdico e os limites da criança, ele traz benefícios inigualáveis, como o desenvolvimento da cultura de prática de exercícios físicos, o combate à obesidade infantil, a conscientização sobre os malefícios do bullying, além de aumentar a capacidade cognitiva e estimular a interação social”, diz Diogo.

“Um mix de artes marciais é fantástico para a criança, pois ela vai vivenciar várias em uma só aula. Isso é muito indicado para a parte motora e sensorial”, diz Jorge Columá. O método infantil que ele ajudou a desenvolver, chamado Team Nogueira Kids, funciona da mesma forma para todas as modalidades: muay thai, caratê, judô, jiu-jítsu e MMA. “Usamos ludicidade para ensinar elementos característicos das artes marciais. Há nas aulas ainda uma parte técnica, com ensino dos movimentos, e, no fim, o chamado Momento do Mestre. É quando todo mundo senta e ouve o que o mestre tem a dizer, que são ensinamentos para a vida. A ideia é trabalhar a criança como um todo. Não só a parte física, mas também a comportamental, a cognitiva.”

Julia e João Pedro, nossos personagens lá do começo da matéria, continuam praticando artes marciais, com objetivos diferentes. Julia treina no Centro Técnico de Excelência de Judô do Estado de São Paulo (por onde já passaram nomes como Aurélio Miguel e Thiago Camilo), tem uma equipe de profissionais conceituados, composta por técnicos, médicos, fisioterapeuta, nutricionista e psicólogo e é a única atleta de judô de alto rendimento do país a ter tal infraestrutura tão nova – é uma aposta real do esporte olímpico no futuro.

Já João Pedro trocou o muay thai pelo jiu-jítsu e treina (por enquanto, sem objetivos profissionais) com a equipe de Robert Abu, que já foi campeão paulista do esporte. “Nas primeiras aulas, o que mais chamou a atenção do J.P. foram os discursos no fim do treino do mestre sobre respeito, humildade e solidariedade – nada de mata-leão, armlock, essas coisas”, diz o pai Evandro. “A grande lição que extraímos dessa inclusão nas lutas é o que elas proporcionam: a saúde mental e a formação de um indivíduo capaz de enfrentar a vida com sabedoria, caráter e dignidade.”