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Blog do Marcelo Alonso

Os 50 anos de Sakuraba e suas 20 lutas com brasileiros

No próximo domingo (14 de julho) um dos personagens mais importantes da história das artes marciais, Kazushi Sakuraba, completará 50 anos de idade.

Aposentado dos ringues desde 2015, Sakuraba, mesmo só tendo feito duas lutas no UFC, recebeu uma justa homenagem do evento em 2017 tendo seu nome colocado no Hall da Fama entre alguns dos maiores ícones do esporte. Honraria mais que justa dada a importância deste japonês, que apesar de ter enfrentado alguns dos maiores nomes do esporte em suas 46 lutas de MMA (26 vitórias, 17 derrotas, 1 empate e 2 No Contest), se consagrou como “Caçador de Gracies”, por suas vitórias sobre Royler, Royce, Renzo e Ryan.

Mas apesar do excelente retrospecto contra a família que criou o esporte, sua história contra lutadores brasileiros é bem mais extensa com o placar terminando empatado: Das 20 lutas contra brasileiros, o japonês venceu nove, perdeu nove (outras duas terminaram em empate e no contest).

O vingador japonês

Para entender a importância de Sakuraba é necessário contextualizar sua chegada ao esporte no início da era Pride em 1997.

Após as impressionantes vitórias de Royce, Renzo Gracie e, principalmente, Rickson em torneios de Vale-Tudo nos EUA (Royce venceu 11 lutadores em três torneios do UFC e Renzo venceu três para se sagrar campeão do World Combat Championship) e no Japão (Rickson finalizou seis oponentes, quatro deles japoneses, se sagrando campeão de duas edições do torneio de Vale-Tudo Japan Open), os fãs japoneses ao assistirem a consagração do “Gracie Jiu-Jitsu” sentiam como se algo tivesse sido roubado deles e usado para vencê-los. E foi no intuito de “lavar a honra” do povo japonês que o Sakakibara decidiu criar um evento chamado Pride (orgulho, em inglês) em 1997, convidando Rickson Gracie para lutar com o maior ídolo da luta no Japão, Nobuhiko Takada, campeão de Pro Wrestling, o principal evento de lutas combinadas do Japão.

Pois o brasileiro só precisou de pouco mais de quatro minutos para aplicar um armlock e levar o japonês a dar os três tapinhas sinalizando sua desistência, frente a um Tokyo Dome lotado. Apesar da derrota do maior ídolo, o sucesso do Pride 1 motivou os promotores a fazerem novas edições (o Pride existiu de 1997 a 2007).

Dois meses após a derrota de Takada para Rickson no 1º Pride, o UFC realiza sua primeira edição no Japão (UFC 15.5) em dezembro de 97 com um torneio sem limite de peso. Kazushi Sakuraba, assim como Takada, originário do Pro Wrestling mas que tinha como base o judô, foi o escolhido para representar seu país no evento americano. E mesmo sendo o mais leves dos quatro lutadores, conseguiu vencer o torneio finalizando com um armlock na final o aluno de Carlson Gracie, Conan Silveira. Primeiro lutador a conseguir finalizar um faixa-preta de jiu-jítsu brasileiro, Sakuraba chamou a atenção dos promotores do Pride que o contrataram imediatamente.

Sakuraba estreou na 2ª edição do evento finalizando o renomado norte-americano Vernon White com um armlock. Três meses depois, o japonês voltaria a impressionar finalizando o canadense Carlos Newton no Pride 3.

Inconformado com a derrota para Rickson, Takada pediu uma revanche que foi marcada para o Pride 4 (outubro de 98). Mas desta vez o ídolo japonês foi treinar com o rival de Rickson Gracie, Marco Ruas, em sua academia em Los Angeles.

Exatamente um ano depois do primeiro encontro, agora na 4ª edição do Pride, Rickson venceria Takada da mesma maneira, só que aos 9min30s de luta. Nesta mesma edição, Sakuraba já roubaria de Takada o status de maior ídolo do esporte no Japão ao conseguir um empate com um dos mais técnicos alunos de Carlson Gracie, Allan Góes. Após este evento, a conceituada revista japonesa GONG publica uma capa com Sakuraba e Takada. Como se o veterano, a partir daquela segunda derrota para Rickson, passasse o título de maior esperança do MMA japonês para Sakuraba.

O nascimento do “Gracie Hunter”

Com a popularidade em alta depois de duas belas lutas com alunos de Carlson Gracie, Sakuraba logo passa a ser visto pelos fãs japoneses como seu redentor. Antes de enfrentar um Gracie, porém, o novo ídolo teve que superar três testes de fogo: No Pride 5, venceu por pontos Vitor Belfort, o melhor aluno de Carlson Gracie; No Pride 6, finalizou o nocauteador brasileiro Ebenezer Braga e, na seqüência, usou a mesma técnica para finalizar o americano, ex-UFC, Anthony Macias (Pride 7).

O primeiro Gracie a enfrentar Sakuraba foi o franzino Royler Gracie, de 68kg. Diante da desvantagem de mais de 20kg, Royler exigiu que a luta fosse disputada em dois rounds de 15 minutos e sem a possibilidade de decisão. Ou seja, se chegasse ao final dos 30 minutos sem nocaute ou finalização, seria decretado o empate. A exigência do filho de Hélio Gracie recebeu críticas de Sakuraba na imprensa local. “Eles sempre usam o nome Gracie para mudar as regras. Vou finalizá-lo e depois não quero desculpas, quero o irmão dele, Rickson”.

Sakuraba dominou a luta tanto em pé como no chão, mas Royler não fugiu ao combate. Sem ter como derrubar o oponente, o brasileiro o puxava para a guarda, mas Sakuraba não aceitava o chão e chutava suas pernas. Esta foi, aliás, a tônica da luta. Porém o japonês, ciente que um empate teria gosto de vitória para o Gracie, resolveu partir para o solo nos três minutos finais, chegando à meia guarda do brasileiro.

Eis que, na reta final do combate, Sakuraba conseguiu atacar uma chave kimura. Muito flexível, Royler resistia ao golpe, mas quando seu braço já passava da altura nuca, o médico do evento, assustado, decidiu perguntar para Rickson se ele deveria interromper. “De jeito nenhum”, respondeu o irmão de Royler. Mas o árbitro, preocupado que a chave pudesse lesionar o brasileiro, decidiu parar o combate a menos de um minuto do final, decretando a vitória de Sakuraba para delírio dos fãs japoneses.

Revoltados, Royler e Rickson partiram para cima do juiz contestando a decisão enquanto Sakuraba, ao microfone, desafiava o número um da família.

Muito chateado com a decisão do evento, Rickson disse que não voltaria a lutar no Pride: “Não achei correta a decisão do juiz e quanto ao desafio do Sakuraba, não vi ele fazer nada que me impressionasse. O fato de ele querer lutar comigo faz dele mais um entre muitos. Todo lutador do mundo quer lutar comigo. Esta não é uma questão para eu resolver, mas sim para os promotores”.

Sem conseguir chegar a um acordo com Rickson, os promotores do Pride negociaram com seu irmão, o multicampeão do UFC, Royce Gracie.

A luta mais longa da história do MMA

Royce chegou a um acordo com o Pride, mas também exigiu regras especiais: uma luta sem limite de tempos e nem pontos, com rounds de 15 minutos até alguém desistir. Pois os dois lutadores travaram uma guerra de 1h30m, que é até hoje a luta mais longa da história do MMA, só perdendo para o combate nas regras do Vale-Tudo entre Hélio Gracie (pai de Royce) e Valdemar Santana em 1955 (3h45m).

A luta entre Royce e Sakuraba vinha equilibrada até o 3º round, quando os fortes low kicks do japonês começaram a fazer efeito, minando o joelho esquerdo do brasileiro.

Royce claramente caiu de produção, até que no intervalo do 6º para o 7º round, seu irmão Rorion conversa com o pai Hélio Gracie e, percebendo que Royce já não tinha condições de continuar, resolvem jogar a toalha. Uma imagem imortalizada pelas lentes de Susumu Nagao, que acabou sendo publicada na capa da revista Tatame daquele mês.

Após a luta, mais uma vez Sakuraba voltaria a desafiar Rickson. Mas antes do número um, Sakuraba teria que passar por outro Gracie.

Na edição subsequente do Pride, um mês depois, Renzo Gracie subiu ao ringue para aceitar o desafio do japonês. “Respeito o Sakuraba, mas ele anda falando muita besteira. Estou pronto para lutar pela honra da minha família e defender o nome Gracie. Vou te educar aqui dentro do ringue”, disse Renzo ao microfone.

O desafio de Renzo foi prontamente aceito por Sakuraba, e três meses após a vitória sobre Royce, o “Gracie Hunter” voltaria ao ringue do Pride para vencer o terceiro membro da família Gracie. Assim como na primeira luta com Royler, Sakuraba conseguiu encaixar uma chave kimura em Renzo que, ao contrário do primo, teve seu braço deslocado não deixando outra alternativa ao árbitro que não interromper o combate aos 9m43s do 2º round, decretando a vitória do japonês por finalização técnica. Ao fim do combate Renzo Gracie fez questão de pedir o microfone para reconhecer a superioridade do oponente dando uma declaração que foi ovacionada pelos fãs. "Esta foi a maior dor que já senti na vida, mas fiquei feliz por passar por isso, pois foi ali percebi que a minha mente é mais forte que o meu corpo, por isso eu não desisti. Parabéns Sakuraba, você é a versão japonesa da família Gracie”.

A vitória sobre Renzo, ao invés de significar o atalho para sua tão sonhada luta com Rickson, acabou dando origem a uma nova novela, uma vez que Ryan Gracie, irmão de Renzo e também lutador do Pride, aproveitou a oportunidade para desafiar Sakuraba.

Em dezembro de 2000, Sakuraba venceria o quarto membro da família Gracie. Como teve uma lesão no bíceps na semana da luta, Ryan negociou com o evento que o combate tivesse somente 10 minutos. Mais uma vez, Sakuraba dominou as ações e terminou a luta numa cena curiosa. Enquanto defendia uma chave de pé sentado nas costas do brasileiro, o japonês estapeava suas nádegas, levando sua torcida ao delírio.

Desde a derrota do primo Renzo, Rickson já vinha negociando a super luta com Sakuraba com o Pride. Teoricamente, a vitória de Sakuraba sobre o quarto membro da família Gracie no Pride 12 seria o empurrão que faltava para a organização bater o martelo e aceitar a proposta do número um, mas infelizmente uma tragédia devastadora se abateu sobre a vida de Rickson, em dezembro de 2000, quando seu filho Rockson Gracie foi encontrado morto num hotel em Nova York. A causa da morte seria revelada meses depois num laudo divulgado pelo polícia local: overdose. A perda do filho acabou decretando a aposentadoria prematura de Rickson e o clássico mais aguardada pelos fãs japoneses, acabou nunca saindo do papel.

Silva vinga Gracies

Sem a possibilidade da tão sonhada luta com Rickson Gracie, Sakuraba voltou seu foco para um outro brasileiro, Wanderlei Silva. O atleta da Chute Boxe vinha de uma impressionante sequência de cinco vitórias no evento japonês, sendo a última contra Dan Henderson.

Três meses após vencer Ryan Gracie, Sakuraba subiria ao ringue do Pride 13 para ser nocauteado em apenas 1min38s pelo brasileiro. Mas uma vitória por finalização sobre Rampage Jackson no Pride 15 garantiria ao japonês a revanche com o brasileiro no Pride 17 (3 de novembro de 2001). O vencedor ganharia o cinturão dos médios (até 93kg) do evento. Desta vez, o confronto foi mais parelho, mas o “Cachorro Louco” novamente conseguiu uma vitória por nocaute técnico, passando a ser o campeão do maior evento de MMA do mundo, um reinado que duraria seis anos.

Dois anos mais tarde (agosto de 2003), Sakuraba conseguiu mais uma luta com o algoz e novamente foi nocauteado no 1º round.

Gracies 2x4 Sakuraba

Em 2005, Sakuraba decidiu sair de sua zona de conforto passando seis meses treinando na Chute Boxe, equipe do homem que o derrotou três vezes (Wanderlei Silva). Desde então, estabeleceu laços com o líder da equipe, Rudimar Fedrigo, a quem passou a considerar seu mestre.

Em 2007, o japonês recebeu uma proposta para lutar a revanche com Royce Gracie e convidou Rudimar para ficar em seu córner, enquanto Royce tinha seu pai Hélio Gracie como treinador. A luta foi disputada em três rounds de cinco minutos no evento K-1 Heroes, realizado na Califórnia em junho de 2007. Todos os rounds foram muito parelhos, mas desta vez o brasileiro saiu vencedor em decisão unânime dos juízes. Meses depois, porém, Royce foi flagrado no exame antidoping pelo uso de nandrolona. Além de ser suspenso por um ano pela Comissão Atlética da Califórnia, o brasileiro teve que pagar uma multa de 2,5 mil dólares.

Três anos mais tarde, em 2010, quando Sakuraba já tinha 40 anos, seria a vez do sobrinho de Royce, Ralek (filho de Rorion Gracie) subir no ringue com o Gracie Hunter. Desta vez, no evento japonês Dream 14, realizado em Saitama no Japão. Assim como o tio, Ralek conseguiu uma decisão unânime sobre Sakuraba, nesta que foi a melhor luta entre Sakuraba e um membro da família.

Ralek e Royce garantiram duas vitórias importantes para a família Gracie, mas que não foram suficientes para virar o placar (Gracies 2x4 Sakuraba) e apagar o apelido que marcou a trajetória do japonês.

Todos os confrontos com brasileiros

Mas se seu histórico com a família Gracie justifica o apelido de Gracie Hunter, os confrontos com outros brasileiros foram marcados por equilíbrio.

Ricardo Arona, por exemplo, eliminou Sakuraba do GP dos meio-pesados em 2005 com uma surra que acabou colocando o japonês deformado na capa dos principais jornais de seu país.

Rogério Minotouro também derrotou Saku numa luta de três rounds. Há ainda clássicos como contra Nino Schembri, quando o japonês foi nocauteado na primeira luta e, no ano seguinte, venceu a revanche na decisão.

Mas de todos os brasileiros que lutaram com Sakuraba, só um pode dizer que arrancou os três tapinhas do japonês: Yan Cabral. Na penúltima luta da carreira do japonês em 2011 (Dream 17 ), o faixa-preta da Nova União conseguiu aplicar um triângulo finalizando o japonês, empatando o placar entre o maior lutador japonês de todos os tempos e lutadores brasileiros.

*Com imagens de Marcelo Alonso e Susumu Nagao.

Todas as lutas de Sakuraba contra brasileiros

1º - No Contest Conan Silveira (semifinal torneio UFC 15.5 - 1997)

2º -  vitória (armlock) sobre Conan Silveira (final torneio UFC 15.5  - 1997)

3º -  empate com Allan Góes (Pride 4 – 1998)

4º - vitória (decisão) sobre Vitor Belfort (Pride 5 -1999)

5º - vitória (armlock) sobre Ebenezer Braga (Pride 6 -1999)

6º - vitória (finalização técnica) sobre Royler Gracie (Pride 8 -1999)

7º - vitória (TKO, corner jogou a toalha) sobre Royce Gracie (Pride GP 2000)

8º - vitória (finalização técnica) sobre Renzo Gracie (Pride 10 - 2000)

9º - vitória (decisão) sobre Ryan Gracie (Pride 12 - 2000)

10º - derrota (TKO) para Wanderlei Silva (Pride 13 - 2001)

11º- derrota (TKO) para Wanderlei Silva (Pride 17 - 2001)

12º- derrota (TKO) Nino Schembri  (Pride 25 – 2003)

13º - derrota (KO) para Wanderlei Silva (Pride FC - 2003)

14º - derrota (decisão) para Rogério Minotouro (Pride Shockwave - 2003)

15º - vitória (decisão) Nino Schembri (Pride critical countdown  - 2004)

16º - derrota (TKO) Ricardo Arona (Pride GP 1º etapa – 2005)  

17º - derrota (decisão) Royce Gracie (K-1 Hero´s Dynamite – 2007)

18º - vitória (finalização neck crank) Andrews Nakamura (Dream 2 – 2008)

19º - derrota (decisão) Ralek Gracie (Dream 14)

20º -  derrota (finalização – triângulo) Yan Cabral (Dream 17 – 2011)

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