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Blog do Marcelo Alonso

Os futuros de Durinho, Demian, Bronx e Walker, e o MMA em tempos de Covid-19

Quando a gente pensa que já viu de tudo no mundo da luta, eis que somos surpreendidos com esta pandemia obrigando o mundo a reagir adotando medidas emergenciais. Coincidentemente as autoridades só se deram conta da gravidade da situação exatamente na semana do tão aguardado UFC Brasília. A decisão de realizar o evento de portas fechadas acabou sendo seguida pelo adiamento de três outros shows com a suspensão da agenda do UFC até abril.

Mesmo sem torcida e com um número acima da média de lutas definidas pelos juízes, o show superou as expectativas. Destaque para Charles do Bronx, Gilbert Durinho e Renato Moicano, não só por definirem suas lutas antes do fim, mas principalmente por comprovarem mais uma vez que vale a pena subir de categoria e lutar saudável sem precisar passar pelo chamado drama da balança.

Uma aula de jiu-jítsu, mesmo com o “ombro zoado”

Depois de assistir Charles do Bronx vencer o 8º colocado do ranking dos leves, Kevin Lee, com uma aula de jiu-jítsu completando uma impressionante seqüência de 8 vitórias em 9 lutas na nova divisão, é curioso lembrar que o paulista até o ano passado ainda insistia com Dana White em voltar ao peso-pena - onde vivia uma rotina doida de desidratações e perda de massa muscular que o levavam a viver sempre com contusões mal curadas.

Dentre tantos exemplos que o MMA tem nos dado de que vale a pena lutar mais próximo da sua realidade física do que fazer sacrifícios insanos para “parecer maior” na divisão de baixo, talvez Charles seja um dos melhores. Além de continuar com uma envergadura maior que boa parte dos atletas no peso-leve, o paulista está mais forte e aumentou sua capacidade de absorver golpes.

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Capacidade esta que foi essencial no último sábado, quando Charles enfrentou um oponente que não bateu o peso e certamente lutou com mais de 80kg. Muito plantado a frente do americano e movimentando pouco a cabeça, Bronx fazia uma luta tensa até conseguir levar Lee para o solo e dar uma verdadeira aula de jiu-jítsu cansando o americano com uma sequência impressionante de ataques: costas, omoplata, chave de calcanhar, raspagem, passagem, armlock, triângulo. A cada defesa do americano, o paulista já tinha um novo ataque na cartola. E foi com este show no solo que o brasileiro levou Lee à exaustão ao final do 2º round, fechando a fatura com uma guilhotina aos 28 segundos do 3º round. Com a vitória, Charles disparou na lista dos maiores finalizadores da história do UFC (14).

O paulista fez certo ao pedir Khabib ou Conor, mas sabemos que as chances agora são absolutamente remotas. Na divisão mais concorrida do UFC, na melhor das hipóteses, Charles terá que conquistar mais duas vitórias para chegar ao cinturão.

O vencedor de Khabib x Ferguson provavelmente lutará com McGregor ou Gaethje. A jogada mais inteligente para se aproximar do topo seria pedir uma luta com Dustin Poirier (#2) ou Dan Hooker (#5). Revanches contra Paul Felder ou Donald Cerrone (ambos o venceram) poderiam ser interessantes, mas não o levariam a galgar degraus no ranking.

Conselho a Charles do Bronx

Na realidade o mais importante no momento é que Charles do Bronx entenda que, a partir de agora, o caldo engrossa bastante - principalmente pelo poder de nocaute da concorrência. Mais do que melhorar sua movimentação em pé (esquivas e movimentação de cabeça) e seu arsenal defensivo, Do Bronx precisa lutar saudável. É hora de investir este dinheiro que ganhou com mais um merecido bônus na recuperação do seu corpo. Esqueça a pressa de lutar pelo cinturão, se concentre em consertar o “ombro zoado” que quase o fez perder esta luta, cure todas as contusões e volte com força total para continuar batendo recordes, dando shows e, finalmente, realizando seu sonho legítimo de lutar pelo cinturão.        

Durinho nocauteia Demian e emplaca 3ª vitória em sete meses

Se alguém tinha alguma dúvida de que Gilbert Durinho conseguiria ser bem sucedido na divisão dos meio médios, elas se foram no último sábado.

Em apenas sete meses o faixa preta venceu Gunnar Nelson, Alexey Kuchenko e Demian Maia, nesta que foi a vitória mais importante de sua carreira.

Lembro que a pouco mais de um mês da luta com Demian fiz uma live no Youtube com Durinho onde ele deixou clara sua estratégia. “Hoje não existe mais lutador de um estilo só. Olha o Cejudo, o Usman, o Cormier. São todos wrestlers que se desenvolveram em pé e nocauteiam seus oponentes. É um reflexo da evolução do esporte”.

Brasil

O nocaute sobre Demian ainda no 1º round mostrou que Durinho tinha razão na sua leitura tática. Por não ter medo de lutar no solo com o paulista, Durinho conseguiu frustrá-lo no chão trazendo a luta para a trocação onde seguiu a risca o conselho de seu treinador Henry Rooft, soltando o cruzado por cima do jab que desligou o interruptor de Demian.

Após a derrota Demian confirmou sua decisão de se aposentar aos 43 anos, pedindo uma luta de despedida com Diego Sanchez para maio no UFC 250 em São Paulo. Sem dúvida este seria o Gran Finale perfeito para o lutador que melhor adaptou o jiu-jítsu ao MMA até hoje.

Os exemplos de Romero e Khabib

Fica a torcida para que a vitória sobre Demian, não leve Durinho a um caminho que tantos outros faixas pretas campeões mundiais seguiram focando demais na trocação e deixando o jiu-jítsu de lado. Até porque para impor o jiu-jítsu é importante criar variações no jogo de quedas. A história recente do esporte nos tem mostrados que quando um lutador é muito superior numa técnica específica, ele acaba não permitindo que o oponente desenvolva plenamente suas habilidades. Esta insegurança acaba abrindo caminho para surpresas como vimos com Khabib Nurmagomedov (contra McGregor), Demian Maia (Masvidal), Yoel Romero (Adesanya), Barboza (Khabib) e tantos outros casos.

Se lutadores de ponta de jiu-jítsu como Gilbert Durinho, Rodolfo Vieira e Davi Ramos desenvolverem sua parte em pé ao mesmo tempo em que buscam implementar o jogo de quedas desenvolvido por Demian Maia, mesclando técnicas de wrestling e defesa pessoal, provavelmente terão chances dobradas de criar problemas para a concorrência, afinal de contas, por mais que melhorem na trocação, é o “pânico” que os oponentes têm de ir com eles para o solo que abrirá o caminho para suas vitórias, sejam em pé ou no solo. 

Depois da histórica vitória sobre o quinto do ranking, Gilbert Burns garantiu um lugar entre os top 10. E ele não perdeu tempo e, depois de desafiar Colby Covington no octógono após a luta, usou as mídias sociais para se colocar a disposição de Dana White para enfrentar o ex-campeão Tyron Woodley, substituindo o inglês Leon Edwards no UFC Londres, que seria realizado no próximo final de semana, mas por conta da Covid-19, acabou sendo adiado.

Certamente a postura do brasileiro será levada em consideração pelos matchmakers. Mesmo que a luta entre Leon Edwards (#4) e Tyron Woodley (#1) seja remarcada, não faltam opções de ótimos casamentos para Durinho. A exceção do niteroiense, Rafael dos Anjos (#8), seu amigo de infância, o faixa preta teria um vasto cardápio de top 10 para escolher: Stephen Thompson (#6), Michael Chiesa (#7), Jorge Masvidal (#3) e o próprio Colby Covington (#2).

O melhor de tudo é que Durinho tem “em casa” o treino mais duro que existe na divisão, o campeão Kamaru Usman, um excelente referencial para que ele tenha plena convicção do quão longe pode chegar na categoria. 

Amanda, Moicano e Capoeira

Além de Durinho e Charles, os representantes da American Top Team Amanda Ribas e Renato Moicano foram os outros dois grandes destaques brasileiros neste card.

Impressionante a evolução de Amanda em apenas um ano de UFC. Cinco meses após vencer Mackenzie Dern, a filha do mestre Marcelo Ribas sobrou diante da experiente Randa Markos (em pé, no chão e no wrestling) e mostrou que já merece um lugar entre as 10 melhores da divisão mais disputada do MMA feminino.

Foi muito bom também ver Renato Moicano voltando às origens e usando seu jiu-jítsu para finalizar Damir Hadzovic em apenas 44 segundos. Moicano pareceu bem mais saudável na divisão dos leves e, tudo indica que em breve estará galgando posições no ranking da mais disputada divisão do UFC.

Depois de sofrer um revés, interrompendo uma sequência de sete vitórias, Elizeu Capoeira também voltou a vencer fazendo uma bela luta contra um dos gringos mais indigestos deste card de Brasília, o russo Alexey Kuchenko. A luta foi disputada e extremamente tática, com o paranaense vencendo de virada.

Johnny Walker, finalmente aprendendo com a derrota

“O maior aprendizado ocorre na derrota” é um clichê que transcende o mundo da luta. Mas infelizmente, em alguns casos, a “soberba cega” e acaba sendo necessário um segundo tombo para que se encare a realidade.

Depois de três nocautes avassaladores no UFC, Johnny Walker chegou a acreditar que estava pronto para vencer Jon Jones. A certeza era tamanha que a derrota para Corey Anderson não foi suficiente para trazê-Lo de volta a realidade. “Perdi pra mim mesmo”, disse o fluminense ainda no Octógono, preocupando fãs e todos aqueles que acompanham o esporte há algum tempo. No último sábado, porém, após ser derrubado por Nikita Krylov nos três rounds o lutador parece ter sido finalmente trazido de volta a realidade. “Lutar três rounds foi bom pra mim, cansei mas evolui como atleta... Agora é voltar para o Canadá e treinar mais”, disse para o Combate.com após a luta.

Um ótimo sinal, afinal de contas Johnny tem apenas 27 anos e, indiscutivelmente, tem potencial real para ser um dos grandes ícones da nova geração do MMA. O mais importante é estar consciente que precisa corrigir as falhas, até porque sabemos bem o que costuma acontecer com atletas que sofrem três derrotas seguidas no UFC.

A falta que faz o “Uhh Vai morrer!”

Para você que já foi a um ginásio assistir alguma edição do UFC no Brasil ao vivo, o grito de guerra da torcida brasileira pode parecer uma mera brincadeira, mas pode ter certeza que não é assim que muitos lutadores estrangeiros o encaram. Como o MMA nasceu aqui há muito tempo atrás com o nome de Vale-Tudo os gringos acabaram criando uma visão estereotipada da nossa torcida quando descobriram a tradução literal do “Uh vai morrer”. Ao invés de encararem como uma brincadeira, curiosamente, muitos lutadores e até jornalistas americanos se chocaram com nosso “canto selvagem”. Vários inclusive já declararam ter pesadelos nas semanas que antecedem os eventos em solo nacional.

Nada melhor que um evento sem torcida para verificarmos se a pressão do “Uh vai morrer” é lenda ou não. E a julgar pelos números atípicos deste UFC Brasília a ausência do público parece ter feito a diferença sim. Afinal de contas nove das doze lutas terminaram nas mãos dos juízes e os estrangeiros tiveram uma média de vitórias maior que o normal para eventos realizados aqui, tendo vencido 4 dos 10 confrontos contra brasileiros neste card.

Esperamos que até maio esta pandemia já tenha sido controlada e, com a situação normalizada, possamos ter a nossa torcida lotando o Ibirapuera e fazendo aquela festa que só o torcedor brasileiro sabe fazer empurrando Amanda Nunes e José Aldo em suas disputas de cinturão.