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Blog do Marcelo Alonso

Os próximos passos de Jacaré, Shogun e Bronx

O fã brasileiro, tão acostumado a testemunhar verdadeiras goleadas do esquadrão brasuca nos UFC´s realizados em solo nacional, saiu do Ginásio do Ibirapuera, no último sábado, com a sensação atípica de perder em casa. Das oito lutas realizadas entre brasileiros e estrangeiros no UFC São Paulo, quatro foram vencidas pelos gringos, três por brasileiros, uma terminou empatada; outras quatro lutas foram disputadas entre brasileiros.

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Curiosamente, o responsável pela maior alegria dos torcedores locais não foi nem Maurício Shogun, nem Ronaldo Jacaré, e, sim, Charles do Bronx. O paulista só precisou de 1min26s para conectar um cruzado certeiro e nocautear Jared Gordon, levantando a galera e completando uma impressionante sequência de sete vitórias em oito lutas (todas elas por nocaute ou finalização). Charles talvez seja hoje o exemplo mais bem sucedido da teoria de que vale muito mais lutar saudável do que brigar com a balança para ser um grandalhão na divisão de baixo. Ele próprio foi convencido pelos fatos, afinal de contas, até 2018 insistia que Dana White o deixasse tentar voltar aos penas.

Brasil

E a maior prova de sua autoconfiança foram os desafios feitos após a luta ao ex-campeão Conor McGregor (atual 3º do ranking) e ao campeão atual Khabib Nurmagomedov. Obviamente seria algo totalmente fora de questão, visto que Charles se encontra na 13ª posição e o ranking dos leves é um dos mais disputados. Talvez fosse mais interessante tentar cavar uma luta dentro de sua realidade no ranking. Quem sabe Dan Hooker (7º e que vem de uma bela vitória sobre Al Iaquinta) ou Anthony Pettis (que hoje é o 11º dos leves e 10º dos meio-médios). Mas uma coisa é indiscutível: depois de tratorizar Jim Miller, David Teymur, Nik Lentz e Jared Gordon em apenas 13 meses, Charles merece um adversário que esteja acima dele no ranking. Agora cabe a seu manager ter sabedoria para barganhar boas lutas e conduzir sua carreira até o topo.

Jacaré: não vale voltar aos médios?

Na luta principal da noite, apesar da derrota por pontos de Jacaré, confesso que fiquei satisfeito em ver o brasileiro passar por um desafio tão duro em sua primeira incursão na divisão dos meio-pesados. Uma luta em que, não por acaso, a grande maioria dos especialistas apostava numa derrota por nocaute do brasileiro. Aqui vale contextualizar o momento que Ronaldo vivia: há pouco mais de três meses, Jacaré passou por episódio de depressão profunda, onde chegou a pensar em parar de lutar. Com o apoio de uma psicóloga e de André Pederneiras, que passou a ser seu manager, o faixa-preta percebeu que, mesmo estando com 39 anos, ainda tinha muita lenha para queimar.

E nada melhor que se desafiar na divisão de cima para resgatar sua motivação. O UFC gostou da ideia e não aliviou o brasileiro ao ofertar o 6º do ranking, o polonês Jan Blachowicz, que havia acabado de recepcionar outro peso-médio, Luke Rockhold, com um nocaute avassalador, e vinha de seis vitórias em sete lutas. Jacaré aceitou o desafio e trouxe de volta para comandar seu camp, agora em Orlando, seu antigo treinador Josuel Distak. Vale frisar que, mais que comandar sparrings, Distak teve importante papel motivacional nos treinamentos, fazendo o brasileiro voltar a acreditar em seu potencial com uma rotina diária de treinos duros.

Brasil

Após cinco rounds, nos quais ambos se respeitaram muito e deram bastante trabalho aos jurados, o polonês venceu em decisão dividida. Levando-se em conta o fato de que os 25 minutos de luta transcorreram dentro da especialidade do europeu e também o momento complicado que o brasileiro vivia, há de se considerar este combate como um desafio transposto, que certamente teve o papel fundamental de resgatar em Jacaré seu prazer de treinar. Espero, sinceramente, que sua equipe decida mantê-lo em sua divisão de origem. Ao contrário de Rockhold, Weidman, Marreta e Anthony Smith, Ronaldo Jacaré não tem tantas dificuldades para bater o peso-médio. Se já não é um dos maiores de sua divisão, entre os meio-pesados o jogo do brasileiro fica ainda mais prejudicado diante de nocauteadores com ampla vantagem na envergadura e boas defesas de queda como Dominick Reyes, Corey Anderson e Jon Jones.

Se a razão principal para subir era chegar ao título, por incrível que possa parecer, hoje as chances são maiores e os riscos bem menores entres os médios. Há de se considerar ainda que, com o título nas mãos de Adesanya, as peças se reorganizaram e novas possibilidades se abriram. O fato é que Jacaré é o único peso-médio que se mantém entre os Top 10 há mais de cinco anos. Olha o exemplo de Yoel Romero aí. Mesmo perdendo lutas duras, nunca saiu do topo ranking sempre se mantendo pronto, esperando oportunidades. Se as previsões se confirmarem, o cubano poderá aproveitar a contusão de Borrachinha (que por justiça seria o próximo da fila) e lutar pelo cinturão pela terceira vez.

O exemplo de Romero mostra que com um bom trabalho de barganha feito por André Pederneiras junto aos matchmakers e uma sequência de duas vitórias, o brasileiro poderia finalmente realizar seu sonho de lutar pelo título.

Mas vale frisar que o mais importante nesta equação é que Jacaré recobre a motivação para os treinos e se mantenha pronto para desafios. Algo que, obviamente, não é nada fácil para um atleta que desde os 17 anos luta os principais campeonatos de jiu-jítsu  (no peso e no absoluto) e há 16 luta MMA em altíssimo rendimento.

Shogun irreconhecível

Único lutador a conquistar os cinturões do PRIDE e UFC, Mauricio Shogun é sem dúvida um dos grandes ícones da história do esporte. É natural que às vésperas de completar 38 anos, com 38 lutas marcadas por muita agressividade em 17 anos de carreira, o curitibano carregue marcas no corpo que não lhe permitam mais treinar como no seu auge. Ultimamente, além de uma lesão grave no joelho, que o acompanha há alguns anos, o curitibano havia rompido o ligamento do dedo polegar na luta com Tyson Pedro, em dezembro de 2018, o que vinha lhe impedindo de voltar.

Convidado para a luta co-principal do UFC São Paulo, Shogun acabou tendo pouco mais de dois meses para treinar para enfrentar Sam Alvey.  Mas eis que, a duas semanas do evento, o norte-americano se machucou e Eduardo Alonso, headcoach e manager de Shogun, conseguiu uma troca que, teoricamente, só beneficiava seu atleta: o escocês Paul Craig. Além de ser um dos piores strikers da divisão, Craig vinha de uma sequência irregular de quatro derrotas em sete lutas. Sua maior ameaça residia no jogo de solo, área onde o curitibano, também faixa preta de jiu-jítsu, certamente não correria grande riscos. Parecia a receita perfeita para o veterano conseguir a sexta vitória em sete lutas.

Brasil

Mas como estamos cansados de saber, o MMA não é uma ciência exata. Claramente fora de forma e sem timing de sparring, Shogun foi dominado por Craig no 1º round de maneira clara na área onde teoricamente levaria vantagem. O escocês chegou a calar a torcida numa sequência que só não terminou em nocaute pela conhecida absorção de golpes do ex-atleta da Chute Boxe. Avaliando pelo critério dos 3 D´s (Domínio, Dano, e Duração), concordo com o juiz Guilherme Bravo (um dos três desta luta), que pontuou este 1º round com um justíssimo 10x8. Numa entrevista após a luta, inclusive, Shogun reconheceu que não foi fácil se recuperar para o 2º round. Mas com a raça que lhe é peculiar, voltou andando para frente e, mesmo telegrafando os golpes, foi mais eficiente, vencendo não só este, mas o 3º também de maneira parecida, ou seja, mesmo levando alguns golpes, conseguiu derrubar passando boa parte do round batendo por cima, mas sem a mesma contundência (impacto/dano) conseguido por Craig no 1º round. Posto isso, o empate foi um resultado justíssimo.

Inconformado com o resultado da luta, Shogun pediu ao UFC uma revanche imediata com o escocês. Seria a luta ideal para o brasileiro mostrar para os fãs que ainda tem garrafas pra vender.

O fato é que, nos últimos quatro anos, Shogun deixou de ter uma rotina de treinos condizente com um atleta de alto rendimento do UFC. Morando em Maringá, costuma se mudar para São Paulo e fazer dois ou três meses de camp específico quando suas lutas são marcadas.

Que esta última luta sirva de exemplo não só para Shogun, mas para todos aqueles que ainda acreditavam ser possível continuar lutando com atletas de alto rendimento do UFC sem um treinamento adequado. Não há hipótese. Se tiver aprendido a lição e se propuser a ter uma vida de atleta, pelo menos por seis meses do ano, Shogun ainda pode protagonizar boas lutas por mais alguns anos; mas se for para entrar totalmente fora de forma, por respeito a seus fãs e por toda a linda história que construiu neste esporte, é melhor que se aposente.

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