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Pioneira do MMA cria programa para mulheres se protegerem de violência com arte marcial

Erica Paes, bicampeã mundial de jiu-jítsu, está à frente do Empoderadas, que já tem 20 polos em cidades do Rio de Janeiro e planeja ir para outros estados

A violência contra as mulheres é uma “pandemia global”. A análise não é minha: é da Organização das Nações Unidas. No Brasil, as coisas vão de mal a pior. Somos o quinto país do mundo em feminicídio, nome que se dá à morte de uma mulher apenas porque ela é uma mulher.

A cada quatro horas no país, uma é morta. Grande parte desses crimes, 30%, ocorre dentro da própria casa da vítima, por companheiros ou ex-parceiros delas. E um estudo recente mostrou que, a cada três minutos, uma mulher sofre violência doméstica.

A faixa-preta de jiu-jítsu Erica Paes, que também já foi atleta de MMA e foi a primeira (e por muito tempo, até Amanda Nunes, a única) mulher a derrotar Cris Cyborg, quase engrossou essa estatística. Ela já sofreu duas tentativas de estupro, mas escapou de ambas porque, letrada em várias artes marciais, sabe se defender.

Um dia, Erica teve a ideia: queria ajudar outras mulheres a, como ela, terem as ferramentas necessárias para se defender em casos de agressões. “Assim nasceu o programa Empoderadas”, ela diz, “da vontade de eu dar minha parcela de contribuição para outras mulheres também terem a mesma condição que eu tive.”

Erica – que, entre as várias peripécias de sua vida, atuou na novela A Força do Querer, na TV Globo em 2017, e treinou a atriz Paolla Oliveira, que era uma lutadora de MMA no folhetim – conseguiu apresentar seu projeto para o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que comprou a ideia. Hoje, o Empoderadas é desenvolvido por meio da Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude.

Uma vez por semana, durante uma hora, Erica treina as treinadoras do programa, que são as responsáveis por ensinar as técnicas para mulheres a partir de 13 anos, que já foram ou não vítimas de violência. Hoje já são 20 polos no Estado do Rio, que atendem cerca de 550 mulheres por mês – já foram mais de 1800 impactadas.

“O Empoderadas é uma tecnologia social”, explica Erica. “Não gosto de chamar de defesa pessoal porque é muito além disso. Defesa pessoal é algo focado somente em um soco, um chute, uma cotovelada ou uma joelhada, por exemplo. Quando falamos de aula de prevenção e enfrentamento da violência contra meninas e mulheres, falamos de técnicas e ferramentas para que elas tenham possibilidade de se defender também de uma agressão moral, de uma agressão psicológica, de uma tentativa de aproximação de um importunador ou uma tentativa de estupro, coisas que fogem desse contato físico da defesa pessoal.”

 Na metodologia, que levou um ano para ser desenvolvida, também há aspectos legais, dos direitos que protegem as mulheres. Erica trabalha de forma integrada com todos os órgãos que atendem mulheres vítimas de violência, como as DEAMs (Delegacia de Atendimento à Mulher) ou a Patrulha Maria da Penha da Polícia Militar. “Temos parceria também com o Ministério Público, a Defensoria Pública e a OAB Mulher”, conta a mentora.

Leia também: Como uma superatleta criou um projeto social para incluir meninas no universo do wrestling | Que tal ajudar uma instituição de artes marciais?

Essa forma de trabalhar, com o apoio desses órgãos todos, foi uma sugestão de um nome de peso no enfrentamento da violência contra as mulheres, a promotora de São Paulo Gabriela Manssur. “Tive o grande privilégio de ser acolhida e abraçada e ter total apoio da dra. Gabriela, que é uma grande amiga e a quem eu carinhosamente chamo de madrinha”, conta Erica.

“Trabalhar dessa forma integrada aos órgãos que fazem atendimento a mulheres vítimas de violência é, sem dúvida, um dos maiores diferenciais do nosso trabalho. A gente vem com todo o aparato de ferramentas de defesa que as alunas necessitam.”

Erica atualmente coordena uma equipe de 27 professoras, cujo requisito mínimo é ser faixa-preta de jiu-jítsu ou judô e que passam por entrevistas com ela antes de serem aceitas no Empoderadas.

No governo Dilma Rousseff, Erica fez parte do Departamento de Enfrentamento à Violência da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. “Foi uma grande escola”, diz. “Viajei o país inteiro e tive a oportunidade de fazer o atendimento de quase 10 mil mulheres por semana.” Ouvir essas mulheres a fez perceber que cada região do Brasil tem necessidades diferentes. “Isso aumentou meu leque de possibilidade de ampliar meus estudos para dar a melhor e mais objetiva ferramenta para que cada mulher não seja importunada, agredida, estuprada ou morta.”

O Empoderadas já recebeu sondagens de governos de quase 10 estados e está em negociação forte com os de São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Santa Catarina e Paraná. “Nosso maior objetivo é levar esse trabalho para os quatro cantos do Brasil.”