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“Treinos muito intensos não são recomendados em tempos de coronavírus”, diz médica do esporte

Renata Castro, que tem pós-doc em Cardiologia pela Harvard University, dá aqui as orientações básicas para atletas – profissionais ou recreativos

O grupo Psicofisiologia e Performance em Esportes & Combates, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é composto por pesquisadores, professores e praticantes de lutas. No último dia 14, o time publicou uma carta com recomendações para atletas e praticantes de atividade física nos tempos de coronavírus (a íntegra está no fim desta matéria).

Conversamos com a médica do esporte Renata Castro, que é membro do grupo e tem pós-doc em Cardiologia pela Harvard University, além de ser faixa-preta de kickboxing, para entender os cuidados que atletas – profissionais, como os do UFC, ou recreativos, como a maioria de nós – devem ter atualmente, enquanto a pandemia de coronavírus estiver entre nós.

De que forma a epidemia de coronavírus está afetando a vida dos atletas de MMA de alta performance?

A epidemia está afetando a vida de todo mundo porque, em primeiro lugar, há um pânico que está instalado nas mídias sociais. Segundo porque, para o atleta de MMA, o contato é muito próximo, não dá para treinar sem ter esse contato com o colega. E tem a questão da respiração, que na luta é muito específica: no momento do golpe, há aquela expiração mais marcada e forte. Sem dúvida, nesse momento existe risco de uma liberação maior de gotículas respiratórias, o que pode facilitar a infecção – desde que à frente dele esteja um indivíduo infectado. Mesmo uma pessoa que esteja assintomática, mas infectada, pode infectar o colega com quem está treinando. 

Por que o laboratório de Psicofisiologia e Performance em Esportes & Combates resolveu divulgar uma carta de recomendação para atletas?

Nós do laboratório resolvemos liberar esse documento porque somos pesquisadores, professores e praticantes de modalidades de combate e achamos que era nossa responsabilidade social orientar os praticantes de luta porque as lutas têm essa característica de maior contato e não encontramos nenhum documento de entidades oficiais que falassem qualquer coisa  a respeito. A gente acredita que as recomendações para a população geral são úteis, mas precisamos reforçar alguns cuidados específicos para os praticantes de luta.

É possível ter uma rotina normal de treinos nessa época?

Ninguém está tendo uma rotina normal de treino, de trabalho, de nada. É importante ter os cuidados que orientamos no documento, mas tudo vai depender de onde a pessoa treina, com quem ela treina. Um atleta que não é de alta performance deixar de treinar é uma situação. Quando se fala de atleta de alta performance, deixar de treinar pode ser um grande prejuízo, principalmente se está com luta marcada. No momento, a orientação é manter todos os cuidados de higiene e se manter distante de pessoas que possam ter tido contato com vírus e com qualquer pessoa que esteja com sintomas, mesmo que leves.

É melhor não treinar então?

Para pessoas que são só praticantes, e não profissionais, a melhor opção é não praticar lutas como judô, jiu-jítsu, modalidades de contato muito próximo. Como não são atletas, não vão ter prejuízo nenhum. Já os casos de atletas de alto nível, especialmente os que têm luta marcada, devem ser analisados individualmente para verificar o tipo de treino que podem fazer e os cuidados necessários.

Uma das orientações que vocês dão na carta é treinar em locais abertos ou ventilados. Trocar a academia por parques é uma solução?

Treinar em lugar aberto é melhor. Outra orientação é focar nos treinos mais aeróbicos, dar uma corrida num lugar aberto, pedalar. Nesses locais, o risco de transmissão é muito menor. Ventilar o ambiente também faz sentido, mas não com ar condicionado – abrir a janela é a melhor opção. Ou então, em academias que têm, treinar nos ambientes externo, evitando o confinamento.

Treinos muito pesados provocam queda de imunidade. Em que medida isso pode ser prejudicial em tempos de coronavírus?

Treinos muito intensos não estão sendo sugeridos neste momento. A orientação é fazer treinos leves para manter a capacidade física, e não treinos extenuantes. Com eles, há chance de reduzir a imunidade de fato. Isso, sozinho, não propicia infecção, mas quando uma pessoa está com imunidade reduzida e tem contato com o vírus que está espalhado no nosso ambiente, sem dúvida o risco de infecção é maior.

O que exatamente classifica um treino como sendo “severo”, “pesado”?

São os treinos de maior intensidade, muito volume ou situações em que a pessoa não descansa. É preciso ter cuidado com descanso, com sono, com a recuperação pós-treino. Há formas de mensurar, mas, de maneira geral, treinos em que a frequência cardíaca ultrapassa 70%, 80% da nossa frequência máxima são considerados mais intensos. Como calcula-se isso? Subtraindo sua idade de 220. Se num treino sua frequência ultrapassou 75% desse valor, já é considerado intenso. Atletas profissionais também podem ter baixa de imunidade em treinos mais fortes, mas eles estão mais acostumados a isso e, em geral, fazem algum tipo de suplementação depois.

CONFIRA A CARTA DE RECOMENDAÇÃO
ATLETAS E CORONAVÍRUS
Carta de recomendação para atletas

Diante do descontrole na contenção do novo coronavírus (Covid-19), que já infectou milhares de pessoas ao redor do mundo, inclusive atletas, e está se tornando um problema no Brasil também, o grupo de Psicofisiologia e Performance em Esportes & Combates UFRJ torna pública esta carta com recomendações para atletas e praticantes de atividade física, a saber:

 

  • Mantenha distância de pelo menos 1 metro entre as pessoas. Como esse distanciamento é impossível durante a prática de esportes de combate, e além disso, ficamos expostos às secreções respiratórias e suor do oponente, o cuidado deve ser redobrado! Evite aglomerações, como shows e eventos esportivos ou qualquer agrupamento.

 

  • Cancele ou evite viagens internacionais para treinamentos ou competições.

 

  • Após treinamentos, tome banho. No dia a dia, lave as mãos e seus equipamentos ou utilize álcool em gel com concentração acima de 70% de etanol, hipoclorito de sódio ou água sanitária para destruição do vírus.

 

  • Evite contato com pessoas com sintomas de gripe forte e peça para procurar um médico. Atletas com sintomas respiratórios mesmo que leves deverão evitar a prática de modalidades de contato até que seu diagnóstico esteja esclarecido.

 

  • Cubra nariz e boca sempre que for espirrar ou tossir com um lenço de papel e descarte após o uso.

 

  • Evite ao máximo tocar nos olhos, nariz e boca com as mãos não higienizadas.

 

  • Treine em locais abertos ou ventilados. Caso tenha que compartilhar equipamentos ou pesos na academia, leve álcool com concentração acima de 70% de etanol, limpe o local e o equipamento onde seu corpo (mãos, tronco, braços, coxas, pernas) irá encostar antes de realizar seu exercício. Após o exercício, limpe novamente o local. TÉCNICOS, PROFESSORES E ATLETAS: garantam a limpeza do tatame ou do local de treino antes e depois das aulas.

 

  • Não compartilhe toalhas, roupas usadas, tênis, garrafa de água, scoops ou qualquer objeto que possa te deixar em contato com as secreções de outras pessoas. PARA COMBATES: material de proteção (luvas e capacetes, principalmente) não deverá ser compartilhado mesmo após higienização imediata, pois a umidade facilita a proliferação de microorganismos.

 

  • Evite comer em restaurantes, bares e locais que você não saiba a procedência da limpeza de mesa, cadeira, talheres e pratos. Caso necessite, desinfete com álcool a superfície e objetos.