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Entrevistas

Uma capixaba no UFC

Karol Rosa, que estreia neste fim de semana no UFC Shenzhen contra a brasileira Lara Procópio, conta como é treinar ao lado da campeã Jessica Andrade

Há alguns anos, uma lutadora capixaba, um tanto desesperançosa em relação a seu futuro no MMA, assistia a um UFC pela televisão quando viu Jessica Andrade em ação pela primeira vez. “Caraca, olha essa mulher, ela é muito sinistra”, ela falou para a companheira Jéssica Delboni, também lutadora.

Neste sábado, aquela capixaba, Karolline Rosa Cavedo, a Karol, estreia no UFC Shenzhen contra a também brasileira Lara Procópio ao lado de sua ídola – com quem, aliás, ela treina há mais de dois anos. “A Jessica é uma inspiração não só para mim, mas para todos que estão na academia”, conta ela.

Natural de Vila Velha, Karol e seu irmão, quatro anos mais novo, foram criados com dificuldade apenas pela mãe. “Ela ganhava um salário mínimo e era com ele que criou a gente”, conta a atleta. “Tinha que comprar material escolar, remédio, roupa, tudo com isso, e ficava muito apertada. Quando faltava algo em casa, minha tia e minha avó ajudavam. Mas quando tinha aniversário, Dia das Crianças ou Natal, minha mãe se virava, pedia emprestado, fazia dívida no cartão, tudo para dar um presentinho para a gente. Podia ser de 1,99, mas ela queria dar. Ela foi muito guerreira.”

Karol começou a treinar jiu-jítsu aos 13 anos por sugestão de uma prima, que ficava impressionada com a força física da garota. “Desde mais nova eu era muito bruta”, relembra. “Eu que ajudava meu avô a construir as coisas de casa. Ele rebocava as paredes e mexia a massa e eu fazia com ele. E carregava carrinho de mão pesado cheio de lajota.” A prima a convidou para conhecer a academia em que o hoje marido dela treinava MMA. Lá, ela fez um treino experimental de jiu-jítsu e foi amor ao primeiro rola. Um tio pagava suas mensalidades. “Ele me disse que era para eu seguir meu sonho, se eu quisesse ser uma lutadora ele ia me ajudar.”

Aos 17, resolveu treinar muay thai porque, fã de lutas, queria aprender a dar soco e chute. Pouco tempo depois, quando ainda estava no estágio inicial dos treinos, fez sua primeira luta de MMA. “Falei pra minha mãe que ia lutar. Ela disse: ‘Não vai, isso não é pra você, não é coisa de menina’. Falei: ‘Eu quero lutar pra ver como é. Se eu não gostar eu paro, mas preciso lutar pra saber’. Com 17 eu fiz duas lutas de MMA – e me apaixonei.”

A peso-galo treinava já com a inseparável Jéssica Delboni, mas o Espírito Santo começou a ficar pequeno demais para as duas. “No meu estado era muito difícil viver do esporte. Tinha poucos eventos de MMA. E não tinha meninas também. Eu lutei com todas as que existiam e ganhei, então não havia mais menina pra eu lutar. Também não tinha verba para trazer outras meninas de outros estados para lutar. Era muito complicado.”

Karol e Jéssica queriam muito viver de MMA, mas não estavam conseguindo. A inciativa partiu de Jéssica. “Ela falou: ‘Karol, vamos buscar alguma coisa no Rio de Janeiro’. Foi depois que eu lutei com a Mariana Morais [a luta foi em dezembro de 2016 e Karol venceu], que é da PRVT.” Ela mandou uma mensagem para o Mestre Paraná [líder da PRVT] pedindo para ele agenciar ela, porque estava também com muita dificuldade de lutar no Espírito Santo e queria seguir carreira.

Mas Karol não estava em um bom momento. “Eu tinha perdido da Gisele [Moreira, em março de 2017] e estava desmotivada. Mas a Jéssica ficava me falando que não era porque eu tinha desistido que tinha que ficar lá parada.” Mestre Paraná chamou Jéssica para conhecer a PRVT – e pediu-lhe para levar também Karol. “Nós fomos pro Rio, conhecemos o Mestre Paraná, conhecemos a equipe. Quando vimos que tinha muita menina, que os treinos eram separados, que tinha preparação física de manhã, MMA à tarde e jiu-jítsu à noite e elas só viviam de treino... Era o que a gente estava precisando. Jéssica falou: ‘Vou ficar aqui, aqui é meu lugar. Você vai querer ficar comigo?’. Eu falei: ‘Vou, vamos seguir nossa carreira aqui mesmo que vai dar certo’.”

Só então Karol passou a viver só do esporte. Até aquele momento, ela trabalhava como garçonete com Jéssica. “A gente vivia muito na correria e não tinha tempo para me dedicar 100% aos treinos. Hoje, sou realmente uma atleta. Treino três, quatro vezes por dia. Me dedico somente à luta.”

A capixaba ri das coincidências quando pensa que agora treina ao lado daquela mulher que a inspirou um dia – e que, nesse meio tempo, virou campeã do mundo na categoria peso-palha. “De repente, a gente está treinando. Ela motiva a gente, e não só no treino, mas na vida pessoal e em relação às coisas que ela conseguiu.”

 

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