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Atletas

Amanda, a lutadora Pollyanna

Nos dois anos de espera para estrear no UFC, a mineira Amanda Ribas conta que aprendeu a tirar lições para se alegrar

Ela se chama Amanda, mas bem que podia ser Pollyanna. Refiro-me não à conterrânea mineira de Amanda Ribas, Poliana Botelho, mas à personagem do livro da escritora norte-americana Eleanor H. Porter que toda garota da minha geração leu. Órfã de pai e mãe, Pollyanna, uma menina de 11 anos, é acolhida pela tia dura e fria, mas não se abate: pratica, e ensina para todos os que querem aprender, o tal do Jogo do Contente. A ideia da brincadeira transformadora é sempre, em qualquer situação, encontrar um motivo para alegrar-se.

Volto agora a Amanda Ribas, uma praticante, mesmo sem saber, do Jogo do Contente. A lutadora, natural de Varginha, diz que realizou seu sonho quando foi contratada pelo UFC em 2017. Não podia estar mais feliz. Mas um teste feito pela Usada, a agência antidoping dos Estados Unidos, que deu positivo para uma substância, não só adiou sua estreia como a manteve longe do Octógono por dois anos, hiato que termina neste sábado no UFC Minneapolis, quando ela enfrenta Emily Whitmire. Ela ficou com raiva, triste, decepcionada? Só um pouquinho – e bem no comecinho.

“Fiquei angustiada no começo, bem triste”, ela conta. “Mas eu tento sempre olhar o lado positivo das coisas”, diz, no melhor estilo Pollyanna. “Hoje sou uma atleta muito mais experiente, muito mais consciente de tudo o que tenho que fazer sendo uma atleta do UFC. A estrutura é gigante, a gente tem que falar com repórter, tirar foto, gravar vídeo. E fico feliz também porque a Usada se manifestou dizendo que no meu caso o que aconteceu foi contaminação do suplemento.” De fato, a agência diminuiu a pena da lutadora por ter considerado que a substância que apareceu em seu exame, ostarine, vinha de um suplemento contaminado.

Chegaram a ir na academia do meu pai pra falar: ‘Como assim sua filha drogada está dando aula para os meus filhos?’ Minha cidade é pequena, ninguém é obrigado a saber o que é doping, mas achavam que era droga.

“Quando comecei a ficar mais mocinha, por causa dos treinos, algumas pessoas começaram a me dizer que eu estava com o corpo muito forte. E aquilo pesou na minha mente. Resolvi então fazer aula de dança. Fiquei dois anos dançando, mas fui vendo meus amigos da academia todos viajando por causa dos torneios de judô e jiu-jítsu, indo pra Brasília, e eu lá, dançando. Senti falta.” Voltou para competir – sempre com o apoio dos pais.

Amanda pensou em desistir de novo, quando passou por maus bocados no esporte. Certa vez, lesionou os joelhos no judô e teve que passar por duas cirurgias. “Uma cirurgia foi antes da seletiva olímpica e a outra, antes do circuito europeu. E eu não pude ir. Estava tudo certo, viagem marcada, e aconteceu isso. Então eu desisti de tudo. Voltei para Varginha e não queria mais lutar. Mas minha família vive na academia, né? Meus amigos são de lá. Então mesmo sem treinar eu ia todo dia para a academia”, ela conta, rindo.

Amanda voltou a se empolgar com os treinos quando viu que todo mundo estava treinando para uma seletiva de MMA amador. “Resolvi treinar para MMA então. Fazia muay thai só de hobby e treinei MMA três meses para a seletiva. Fui para ela, no Rio, e deu certo. Peguei logo em seguida um visto para os Estados Unidos e fui para o mundial, em Las Vegas.” Aos 20 anos, a mineira venceu o campeonato. “Até eu me surpreendi com meu desempenho.” A final foi contra a sueca Gabriella Ringblom, da seleção de boxe de seu país. Mas Amanda não sabia. “Foi tudo tão rápido que nem tive tempo de pesquisar sobre ela. Meu pai sabia e não me falou nada. Depois, ele me falou que achava que eu não conseguiria ganhar dela. Ainda bem que eu não soube que ela era da seleção. A ignorância de vez em quando é uma benção.” 

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A lutadora pensou em se profissionalizar assim que o mundial amador acabou. “Num esporte olímpico como o judô, o objetivo são as Olimpíadas. No MMA, o objetivo é o UFC”, ela diz. “Entrar para a organização foi a realização de um sonho, aqueles momentos que a gente dá um ‘check’ na lista dos sonhos. Estou muito feliz de estrear. É agora que realmente vou mostrar por que eu tenho treinado minha vida toda. Vou entrar no cage com um sorrisão no rosto e mostrar que assim você pode conquistar o mundo.”

Amanda conta que quer que sua história seja um exemplo para outras pessoas. “Vim de uma cidade pequena, no sul de minas, e com muita determinação e força de vontade cheguei longe. Fiz isso no jiu-jítsu, fiz isso no MMA amador. Quero dar um show no UFC Minneapolis e mostrar para as crianças da favela que elas não precisam se espelhar no traficante e achar que daquele jeito vão vencer na vida. Na minha academia tinha um menino que comia ração para porco, e agora ele está lutando MMA profissional.”

Amanda treina em Varginha na equipe da família e, quando está em camp, passa por outras academias (desta vez, ficou uma temporada curta com Miltinho Vieira, no Rio). A conclusão do período de treinamento é na American Top Team, na Flórida, onde treinam atletas como Junior Cigano, Thiago Marreta e a campeã mundial em duas categorias Amanda Nunes – uma inspiração para a xará mineira. “A Amanda é sensacional”, conta. “Ela era do judô também e um dia me disse: ‘Amandinha, relaxa, o MMA é diferente. Temos que entrar relaxada e feliz’. Ele me contou que antes de lutar com a Ronda Rousey foi ao cinema com a Nina [Ansaroff, sua mulher]”, relembra.

Para relaxar, Amandinha conta que tem um hobby: assistir ao programa Masterchef Brasil, da TV Bandeirantes. “Amo. Sou viciada. O UFC nos levou para uma reunião uma vez no restaurante do chef Henrique Fogaça. Eu nem acreditava”, diz a atleta, que deixa claro: o hobby é ver o programa, não cozinhar. “Eu sou das que comem, não das que cozinham”, brinca. “Estava fazendo faculdade de nutrição e já avisava as minhas colegas que, quando tinha que ir para o fogão, eu não cozinhava, só limpava.” Por causa dos treinos, Amanda trancou a faculdade, e pretende retomar em breve, mas mudar de curso. “Quero fazer educação física, porque tem curso a distância.”

Por enquanto, no entanto, Amanda só pensa na luta de sábado. E em sua entrada na arena Target Center. Ela escolheu uma música da banda Omnia, dos Países Baixos, chamada Fee Ra Huri. “Parece uma música de viking”, conta. “No começo, tem umas palmas e eu vou entrar batendo palma também. Já avisei todo mundo de Varginha pra bater palma comigo, que eu vou sentir a vibração. Já imaginou se todo mundo que ler esta matéria bater palma também?” 

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