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Blog do Marcelo Alonso

A IMPORTÂNCIA DO 10 X 8 NO JULGAMENTO DO MMA

O  sistema de pontuação de rounds do Boxe foi de absoluta importância no processo de transformação do Vale-Tudo, um esporte quase sem regras, sem peso, sem pontuação e nem rounds, no MMA, um esporte com categorias de peso e rounds. Mas obviamente o tempo passou, o grau de competitividade aumentou e a enorme complexidade de uma modalidade que engloba várias outras tem empurrado o MMA num caminho sem volta: a necessidade de um fracionamento maior da pontuação com vistas a evitar injustiças.

Não por acaso, a ABC, entidade que rege todas as Comissões Atléticas, tem nos últimos anos mudado as diretrizes de pontuação, instando seus juízes a usarem mais o 10 x 8 e, consequentemente, também o 10 x 7. Motivado por esta série de mudanças, o juiz brasileiro Guilherme Bravo, considerado pelo lendário Big John McCarty entre os melhores na função no mundo atualmente, lançou este ano o livro “Nas Mãos dos Juízes”, no qual esmiúça detalhes importantes destas novas diretrizes, que já deveriam estar impactando o julgamento do esporte.

Deveriam, mas infelizmente ainda não estão. E por um motivo simples: o conservadorismo da “ditadura do 10 x 9 do Boxe” tão arraigada por gerações e gerações na cultura dos esportes de combate.

DANO, IMPACTO E OS 3 D´S

O fato é que, mesmo recebendo sinal verde para usar mais o 10 x 8, boa parte dos juízes tem tido dificuldade de implementá-la. O resultado imediato disso é que o grande público continua fazendo a mesma leitura do esporte e quem segue as diretrizes acaba parecendo o errado da história. E esta resistência gera um fenômeno curioso. Há alguns meses, comentando uma luta do UFC no Canal Combate, ousei dar um 10 x 7 num round absolutamente claro (um monólogo com dois knock downs, muito sangue e onde o árbitro se aproximou para interromper duas vezes). A pontuação gerou revolta nas minhas mídia sociais. Lembro que um colega faixa preta de Jiu-Jitsu e fã de MMA me mandou uma mensagem no Whatsapp imediatamente: “10 x 7?!?! Você tá bebendo antes do trabalho ?”. Morri de rir. Mas ali senti um pouco a pressão que são submetidos os juizes de MMA. O lutador acabou sendo nocauteado no 2º round, mas imaginem a situação hipotética de os três juízes terem dado 10 x 7, e o rapaz que estava em desvantagem no 1º round conseguir se recuperar conseguindo derrubar e ficar por cima burocraticamente nos dois subsequentes (10 x 9 e 10 x 9), perdendo a luta por triplo 28 x 27. Certamente a arbitragem seria crucificada por cometer uma "injustiça com um guerreiro", quando na realidade teriam apenas seguido as regras, fazendo justiça. Pelo bem do esporte, essa mentalidade precisa mudar; afinal de contas, esta “dosimetria” com o maior fracionamento dos rounds sempre beneficiará o atleta que busca definir o combate, em detrimento daquele que “faz o suficiente”.

Depois de ler “Nas Mãos dos Juízes” algumas vezes, diria que um critério que me ajudou bastante a entender melhor o round 10 x 8 foi o " Triplo D" (Domínio, Duração e Dano - ou impacto), criado por Big John McCarty. Se um lutador domina o round por mais tempo (duração) e suas ações forem claramente mais efetivas (impacto), causando dano claro ao oponente, temos um 10 x 8 inconteste. Mas obviamente existem muitas variáveis. Mesmo que o lutador não tenha chegado a ter os 3, mas tenha conseguido uma quantidade muito superior ao outro em um ou mais critérios, também pode receber o 10 x 8.

Também entram nesta complexa equação do julgamento muitos outros critérios como striking e grappling efetivo, agressão efetiva e controle da área de luta; mas, definitivamente, a concepção de Dano (ou Impacto) é o grande diferencial. As maneiras como são avaliados os ferimentos causados por um ataque legal (força do ataque e como isso afeta a condição do oponente); o fato de sangramentos, cortes e hematomas serem, sim, pontuados; e a avaliação de ação efetiva do golpe (e seu impacto no transcorrer da luta). São dezenas de nuances, que confesso, não costumava levar em consideração, e que mudaram muito minha leitura no julgamento da luta round a round.

Me chamou a atenção também a importância dada a leitura do impacto que pode ser totalmente distinta para o juiz a beira do octógono e para o espectador que assiste a luta de casa. O fato é que, ter elementos que te ajudem a esmiuçar a eficiência de cada atleta acaba sendo a melhor maneira de fazer justiça valorizando o duríssimo trabalho dos protagonistas do show, que tanto ralaram para chegar ali. Mesmo que fazer justiça signifique um empate.

Fica a torcida para que a ABC pressione cada vez mais as mais de 50 comissões Comissões Atléticas a unificarem seus critérios de avaliação. 

Obviamente esta mudança de mentalidade não significa o fim das discordâncias no MMA. Um esporte tão complexo, com tantas possibilidades técnicas e avaliações subjetivas, sempre terá leituras distintas; mas quanto mais homogêneos e transparentes forem os critérios de julgamento, mais o esporte caminhará no sentido de premiar o melhor. Afinal este é objetivo de toda modalidade esportiva.